Economista pela Université Libre de Bruxelles (ULB) com mestrado e doutorado em Política Social pela Universidade de Brasília (UnB). Há 10 anos exerce o cargo de Coordenadora da Assessoria Politica do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Brasil. Em 2022 foi eleita copresidenta da Rede Latino-Americana por Justiça Econômica e Social (Latindadd). Trabalhou no Ministério da Saúde e no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) com os temas de fome e insegurança alimentar e nutricional, pobreza, igualdade racial, participação social e cooperação internacional, entre outros. Foi assessora política de Oxfam Internacional no Brasil e, depois, ficou à frente do escritório de Oxfam no Brasil. Integrou a equipe da presidenta Dilma Rousseff que desenhou e implementou o plano nacional “Brasil sem Miséria”.
Quais são os desafios atuais no setor da cooperação?
Em geral a ajuda se distancia dos fatores determinantes das desigualdades sociais, raciais, de gênero, de identidade de gênero, regionais, religiosas etc. Isto porque é mais fácil atuar nas consequências do que nas causas, pois estas estão ligadas a profundas desigualdades nas relações de poder. Nem sempre os doadores querem se indispor com os poderosos daquele território (país, município etc.).
Ademais, a ajuda é pautada pela colonialidade, isto é, é perpassada por uma estrutura de dominação ou padrão de poder que permanece enraizado em nossas sociedades, mesmo após o fim das relações coloniais. A cultura da colonialidade é capitalista, racista, patriarcal e antidemocrática, além de destruidora do meio ambiente. Ela reforça um padrão de conhecimento eurocêntrico e hegemônico, negando ou invisibilizando o conhecimento das pessoas empobrecidas, negras, indígenas e mulheres.
A hipocrisia do discurso da sustentabilidade. Cada vez mais doadores, públicos e privados, cobram das organizações que apoiam que “provem” que as ações que desenvolvem são sustentáveis, pois contarão com outros recursos para dar continuidade ao projeto. No entanto, diante da fome e da miséria que caracterizam muitas comunidades atendidas com a ajuda e da ausência de Estado, os serviços prestados são, em geral, os de sobrevivência imediata, que são absolutamente necessários. Exigir que “não se dê o peixe, mas se ensine a pescar” é extremamente cruel em ambientes de múltiplas carências.
As contradições da ajuda. É muito comum os doadores quererem diminuir os recursos alocados para as equipes das organizações que apoiam. Isso parte do entendimento que é melhor financiar atividades fim do que atividades meio. Contudo, assim como acontece no Estado, a maior parte das ações realizadas na área social é feita por pessoas. E, esses profissionais que desenham e implementam as ações e que mantém diálogo com os beneficiários diretos, precisam de remuneração e de condições de trabalho decentes, o que contribui para melhorar a qualidade do trabalho. Ademais, exige-se de um lado menos recursos para atividades meio mas, de outro, implementam-se cada vez mais instrumentos de controle – cada doador tem seus formatos de projetos e relatórios, suas exigências de auditoria e prestação de contas etc. –, o que necessita de mais recursos humanos e organizacionais.
Como você acha que eles devem ser tratados?
Adotar o entendimento de que existem ações conjunturais, que não podem ser sustentáveis financeiramente (alimentação, saúde, educação, assistência etc.), e ações estruturais, aquelas que criam condições para provocar mudanças (geração de emprego e renda, produção de alimentos, participação social etc.). Ambas são igualmente importantes aceitar que a ajuda nem sempre apresenta resultados ou efeitos, pois os tempos de mudança, especialmente em sociedades empobrecidas, são de longo prazo.
Promover processos de escuta das organizações da sociedade civil local, tanto daquelas que prestam serviços diretamente como daquelas que são de incidência (advocacy). Isto é, não impor sua agenda, mas somar-se as lutas locais.
Reconhecer a importância do trabalho desempenhado pelas equipes das organizações que são apoiadas e, portanto, entender a necessidade de financiar atividades meio. Uniformizar e simplificar os procedimentos de apoio – formulários de elaboração de projetos e relatórios. Privilegiar o apoio institucional – fazer um “scan” da organização a partir de critérios públicos e objetivos e apoiá-la como um todo.
Privilegiar processos de participação social que envolvam sujeitos de direitos. Assim, por exemplo, o setor privado não é um sujeito de direito e, em geral, contribui para a violação dos direitos. Não fortalecer as “Multistakeholder Initiatives”, pois as empresas não podem estar no mesmo nível que Estados e OSC. Elas são detentoras de poderes econômico e político e, portanto, não defendem o interesse público mas, sim, o interesse lucrativo.